A porta está encostada e por detrás da secretária que fica à entrada do edifício da Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro aparece uma senhora que está a fazer limpezas. É ela que manda chamar António José, o braço direito de Miguel Vieira Duque, conservador do Museu.
No centro do piso principal está a loja, envidraçada, que deixa ver as várias salas cheias de quadros, mobiliário, faianças, estátuas, tapetes e um grande piano. Já não estão lá as peças de Rembrandt, que entretanto passaram para o andar de baixo e são de visita livre.
Miguel Vieira Duque sai como uma flecha de dentro de uma sala, vira à direita, aparentemente sem ver quem o espera. Passa a mão pelo veludo verde azeitona de um canapé, que faz conjunto com duas outras cadeiras de encosto de madeira. Dá duas palmadas no assento e grita: “Têm de passar um pano em cima destas cadeiras. Quantas vezes tenho de dizer? Vinte?” E volta a desaparecer. O veludo está aparentemente limpo.
Miguel Vieira Duque é um homem atarefado a organizar a exposição que dentro de dias vai marcar o 29º aniversário do Museu. E a exposição é sua. É sua porque é ele que a organiza. É sua porque as obras que estarão expostas fazem parte da sua colecção particular, é sua porque os convidados poderão, ao mesmo tempo que admiram os quadros, beber as suas seis infusões preferidas. Vieira Duque falará aos visitantes nos “Diálogos com o conservador.”
Passam quase vinte minutos até que se consiga ter a atenção do omnipresente conservador. Descemos para o andar de baixo, onde se encontra a cafetaria. Oferece um café e senta-se numa mesa que tem em cima quatro individuais de plástico. Levanta novamente a voz, inquieto: “Paula! Chega aqui…” E aponta em silêncio para um dos rectângulos, com vestígios de migalhas. Quase ao mesmo tempo ordena que seja posto a “rodar” o filme “A Ronda da Noite”, de Peter Greenaway – uma película que conta a história da vida de Rembrandt, num ecrã de televisão que encima uma mesa cheia de livros e documentos referentes à exposição que se encontra na cafetaria. É esta a mostra que tem suscitado polémica atrás de polémica: “Gravuras de Rembrandt (1606-1669), o Aguafortista, na Colecção da Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro”. No site da Fundação o título que antecede o cartaz do evento é ainda mais grandioso: “Maior Colecção do Mundo de Gravuras de Rembrandt.”
Miguel Vieira Duque hesita em dar uma entrevista. Demasiada informação tem saído na imprensa acerca deste espólio, muito se tem falado também sobre a sua vida e ele não tem gostado disso. Tanto é que as duas únicas notícias que aparecem no site, agregadas à divulgação da exposição, são do “Diário de Coimbra” e do “Diário de Aveiro”, que falam de uma colecção de “valor incalculável”. Tudo o que se seguiu e saiu na imprensa não está ali.
O conservador ainda não quer falar do tema e prefere mostrar o Museu. Começa pela cafetaria, apresentando os bolos e os biscoitos inspirados nas mais emblemáticas obras que a Fundação possui. O bolo de chocolate que representa “A Minhota”, quadro de António Carneiro, as bolachas “Herodias e Salomé”, inspiradas na alegoria de Vieira Portuense “A Cabeça de São João Baptista” que, diz o rótulo, são de “paixão arrebatadora”, ou de perder a cabeça, para quem precise de associações mais directas… Vieira Duque manda vir três pacotes de biscoitos para oferecer, que coloca num saco de papel com o autocolante da Fundação. Antes de o entregar, repara num erro. As bolachas “O Casamento da Virgem”, feitas de chocolate branco e flor de laranjeira, estão atribuídas a Bonard… António José, sentado ao lado do conservador, é olhado de soslaio. “Risca isso, está mal, o esmalte de Limoges é da autoria de Mercé”, diz Vieira Duque. António José obedece e, com uma esferográfica azul, corrige de imediato o rótulo.
Prossegue então a visita. Três andares de museu, uma colecção desfiada de cor por Vieira Duque, a uma velocidade difícil de acompanhar. Sobe escadas, desce escadas, explica como mudou tudo desde que chegou, de como as inventariações estavam por vezes erradas, de como dois terços das obras agora expostas estavam guardadas na caixa-forte, cuja chave ele guarda com a vida. E desata a explicar percorrendo as paredes e apontando para as peças: esta estava, esta não estava, estas duas estavam, estes não estavam, tudo isto com uma rapidez estonteante. É meio-dia e meia e António José aparece para o avisar de que é melhor ir almoçar. Tem compromissos da parte da tarde.
A conversa sobre Rembrandt fica marcada para o dia seguinte de manhã. O senhor João continua nos jardins a arranjar a relva. As sebes estão cuidadosamente cortadas, a esplanada com puffs aguarda dias de Verão sem chuva, como este, para ter ocupantes.
“Quem é verdadeiro? Eu ou os meus pais?”
São 282 as obras que estão no centro da polémica. Baseadas em temas do famoso pintor holandês Rembrandt, serão de facto gravuras (ou seja, feitas a partir da chapa original que o próprio autor gravou) ou serão reproduções dessas gravuras? Perante a polémica que se desenvolveu na comunicação social, a Direcção-Geral do Património Cultural abriu um inquérito e, segundo um email da Secretaria de Estado da Cultura (SEC), do dia 11 de Julho, já “desenvolveu, internamente, os procedimentos metodológicos necessários para se avançar para o estudo e avaliação das obras em causa, em articulação com o Museu Nacional de Arte Antiga e com o Laboratório José de Figueiredo.” A SEC diz ainda que a “Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro será contactada brevemente pela Direção-Geral do Património Cultural de forma a poder iniciar-se a avaliação das obras”.
Miguel Vieira Duque ainda estava à espera de um contacto da SEC, que havia prometido uma avaliação. “Isso era óptimo”, afirma, desde que sejam respeitados “os convénios normais”. “A tutela é nossa, isto é uma colecção privada”, esclarece. O conservador diz ter levado alguns exemplares para serem analisados por “instituições académicas e museológicas”, mas não quer referir quais. Apenas adianta que, das pessoas que tiveram contacto com “as gravuras, [contacto] presencial, documental”, não resultou uma “avaliação em concreto”, mas “houve uma abordagem à colecção e ficou assente que a sua importância era muito grande”.
Se Miguel Vieira Duque ouviu isto de alguém, não foi de Alexandra Markl, responsável pelo departamento de gravuras do Museu Nacional de Arte Antiga. A especialista afirma estarmos perante réplicas, embora de “altíssima qualidade”, tal como eram feitas na altura. E bastou-lhe, para isso, olhar para o que Vieira Duque lhe mostrou. “Logo à partida o papel é muito grosso, não se faz gravura em papel daquele. São também, das cinco ou seis que vi, todas normalizadas. E o rebordo que aparece, é cravado com uma prensa, por cima da gravura, para mimetizar. O papel é de 1881, 1882. Nesta altura, século XIX, faziam-se reproduções heliográficas das gravuras, mimetizavam as originais para vender. Depois, algumas delas têm o carimbo da Bibliothèque Royal [francesa], o que diz logo que não pode ser original, senão teriam de ter sido… roubadas? De facto, no século XIX, começaram a existir estas séries nas bibliotecas reais, podemos dizer assim, grosso modo, que era o equivalente aos pósteres que se vendem nos museus hoje em dia, mas eram réplicas de altíssima qualidade e, mesmo sendo réplicas, eram muito caras. Não havia livros sobre obras de arte, logo esta era uma forma de desfrutar da obra de Rembrandt”, explica.
Miguel Vieira Duque insiste sempre na ideia de que deve ser feita uma avaliação precisa à qualidade, originalidade e valor daquele espólio, descoberto em 1985 e alvo de uma exposição em 1989 pela então conservadora Madalena Cardoso da Costa, hoje directora do Museu de Aveiro. Depois de as ter tirado da gaveta, onde permaneciam embrulhadas em papel, fez um inventário e tentou, de várias formas, perceber o que tinha em mãos. O resultado dessa investigação publicou-o em 2007, na revista “Munda”, do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Concluiu que eram “reproduções fotográficas e/ou heliográficas”. Isso mesmo era atestado pela directora do departamento de gravuras e fotografias da Biblioteca Nacional de Paris, Gisèle Lambert, que, citada no artigo, afirmava: “A maior parte destas gravuras são reproduções de gravuras de Rembrandt feitas nos séculos XVIII e XIX, encontrando-se muitos dos respectivos originais na Biblioteca Nacional de Paris, onde terão sido fotografados, reproduzindo-os, por negociantes desta área.”
Sobre este artigo, Vieira Duque nem quer ouvir falar. Diz que se descredibiliza logo no primeiro parágrafo ao referir “cerca de 350” gravuras quando elas são exactamente 282. E insiste: “As gravuras são feitas a partir das chapas originais de Rembrandt. Esta pode ser a primeira ou a milésima! É a mesma coisa que perguntar: quem é verdadeiro, sou eu ou os meus pais? É a gravura ou a chapa?”
O novelo
Enquanto se aguardam os desenvolvimentos da SEC, Miguel Vieira Duque apresenta outros trunfos para valorizar este espólio da Fundação. Por isso, na mesa por baixo da televisão, na cafetaria do Museu, estão exemplares de documentos que o conservador afirma serem provas da origem de tão valiosa colecção adquirida por Dionísio Pinheiro.
A primeira prova é o catálogo de um leilão de arte realizado em 1921 e que levou à praça o acervo de obras artísticas pertencentes ao Conde do Ameal. O conservador diz que está aqui a origem da coleção comprada por Dionísio Pinheiro. Vieira Duque pega no livro de capa dura – encontrado num alfarrabista - e vai folheando sem parar. “Quando cheguei ao nome Ameal comprei este catálogo e logo de seguida apanho o fio condutor. Este é o trabalho do conservador, é o de um investigador ou de um detective”, conta, abrindo muito os olhos que agora brilham. “Neste catálogo está referenciada a colecção de gravuras de Rembrandt. Não especifica que gravuras são, diz que há um conjunto de centenas de gravuras e está explicado que não foram desmembradas pois tinham valor pela quantidade.”
Existe um exemplar do catálogo deste leilão na Biblioteca do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, com o título “Vente D’Objects D’Art. Collections ‘Comte de Ameal’. Catalogue Descriptif”. O texto introdutório está escrito em francês e em português e confirma a informação de Vieira Duque sobre a data e o local do leilão – foi em Julho de 1921 no Colégio de Santo Tomás de Coimbra.
Vistas as 2019 entradas, cada uma correspondente a uma peça, apenas em duas há referências a Rembrandt. Na página 33, o artigo 397, uma água-forte, atribuída a Rembrandt, com as seguintes dimensões: 14 cm de altura por 10 cm de largura. Não tem título, nem qualquer imagem das que foram selecionadas para figurar no final do catálogo. Na página 35, a entrada 443 refere-se a um “Dessin au Crayon” (desenho a lápis) cujo título é “Tête d’homme” (cabeça de homem) e que é atribuído a Rembrandt, com reservas (a seguir ao nome do pintor aparece um ponto de interrogação entre parêntesis).
No final do catálogo é referido o seguinte: “Além dos números descritos neste catálogo, colocaremos também à venda algumas centenas de objectos agrupados em variados lotes de mobiliário, quadros, desenhos, faianças, objectos de decoração e muitos outros enfeites de interior.” Não se fala de gravuras, nem de Rembrandt, que quando aparece está bem destacado no catálogo, com direito a um pequeno desenho no canto da página onde aparece a sua única gravura considerada original posta à venda.
Vieira Duque prossegue a sua história. Por não ter sido vendido este lote de gravuras no leilão do Conde do Ameal – “se calhar pelo alto valor” – a colecção foi cedida a Luís Reis Santos, que, em 1948, expôs o conjunto numa mostra que teve lugar no Secretariado Nacional de Informação, em Lisboa. E apresenta a segunda prova: o catálogo daquela exposição, um documento com origem na Fundação Calouste Gulbenkian. “Nesta exposição está inclusivamente a fotografia de uma das nossas gravuras, que é ‘O Fausto’.” Pega no catálogo, folheia. “É esta. ‘O Fausto, Rembrandt 1606-1669. Figura 8′. Vamos à figura 8. Temos as dimensões, que são iguais, e depois temos a indicação de que é uma gravura de terceiro estado [ou seja, a chapa original já tinha sido retocada três vezes], que também corresponde.”
Perante uma simples figura, a pergunta é óbvia: como sabe que esta figura é desta gravura que aqui tem no museu? Vieira Duque faz uma curta pausa. E responde: “Porque o curador fala aqui nesta gravura na introdução. Ele diz que usou várias colecções e que usou a do Conde do Ameal para ter Rembrandt em Portugal. Diz ainda que esta colecção se encontrava à venda e que ia guardar os três últimos dias da exposição para convidar colecionadores portugueses interessados em adquirir a colecção. Dionísio Pinheiro foi convidado e esteve nesta exposição em 1948 com o professor Luís Reis Santos.”
Consultado o documento em causa na Fundação Calouste Gulbenkian, chega-se rapidamente à conclusão de que não há qualquer referência à colecção do Conde do Ameal. Na introdução assinada por Luís Reis Santos, explicam-se três coisas que contradizem Vieira Duque. A primeira sobre a origem das obras expostas e o seu valor: “Constituído com espécimes duplicados e outros que não são da especialidade da notável colecção particular estrangeira a que pertence, este valioso núcleo, (…) inclui todavia, muitas peças dignas de figurar em colecções organizadas com bom gosto e competência.” A segunda, de que esta é uma mostra apenas para compradores: “Dadas as condições económicas do País de que elas procedem, onde a exportação das obras de Arte é apenas autorizada mediante prévio pagamento do seu valor em moeda estrangeira, só é possível promover uma exposição desta natureza com destino à venda.” Vai ainda mais longe, dizendo que nada do que ali está é de grande valor monetário: “Naturalmente, porque os nossos amantes de belas-artes e colecionadores, estão pouco familiarizados com as espécies que se encontram expostas, estas gravuras não são de valor muito elevado: de uma forma geral não há exemplares muito raros.” E por fim, o número de exemplares: “Vinte e seis exemplares das chapas originais do extraordinário Rembrandt”.
Segundo Vieira Duque, a primeira gravura que Dionísio Pinheiro terá adquirido a Luís Reis Santos foi em 1956, tendo comprado as restantes em 1958 e 1959. “Foi o professor Luís Reis Santos o intermediário e o valor era tal que demorou de 8 a 10 anos a venda. Houve três reuniões em Coimbra para a venda dos três lotes. Isso está documentado apenas oralmente pelas pessoas que ainda vivem, da época, e pelas pessoas que se lembram e que conviviam em casa de Dionísio Pinheiro.”
Vieira Duque considera ainda que aqueles trabalhos têm outros detalhes que os tornam passíveis de serem originais: “Temos algumas com marca de colecionador, por exemplo, o selo da Biblioteca Real Francesa, temos o tema de Rembrandt e o selo. Sabemos que um dos lotes pertenceu, ou a origem é da Biblioteca Real Francesa. Outro lote é do Petit Palais e esteve exposto no Petit Palais, 125 das que estão cá.”
Num contacto com o Petit Palais, através de email, recebemos a seguinte resposta, por parte do centro documental deste museu parisiense: “A única exposição sobre Rembrandt que teve lugar no Petit Palais durante este período foi a ‘Exposição de Gravuras de Rembrandt e de Albert Durer’ em 1933. As gravuras expostas fazem parte da colecção do museu (um legado deixado por Eugène e Auguste Dutuit em 1902).”
Ainda fizemos contactos com o Rijkmuseum, em Amesterdão, que alberga a grande colecção de Rembrandt e com a Biblioteca Nacional Francesa, mas não obtivemos qualquer resposta.
Miguel Vieira Duque alega que não tem mais documentação porque ela desapareceu da Fundação. “Os recibos, a documentação original, acharam que não eram importantes. A documentação que existe de algumas peças, e destas ainda resistiu alguma, está classificada e tratada e arquivada em caixa-forte.” Não se pode ver, portanto. Ainda assim, deixa escapar que há um “papel anexo a uma gravura dizendo que é retocada à pena e há uma outra com letra de Luís Reis Santos onde se lê ‘Dionísio Pinheiro adquiriu-me em três lotes, de 150, 126 e 6′. Em lado nenhum refere o valor”. Mais do que prova oral, portanto.
Ataques pessoais
O número de pessoas que visita o Museu da Fundação Dionísio Pinheiro tem crescido a olhos vistos “e grande parte deste sucesso deve-se a esta colecção”, observa Miguel Vieira Duque. “Em 2010 a instituição teve 204 visitantes, em 2011, foram 2711, no ano passado 5143 e este ano já ultrapassámos a barreira dos quatro mil. Quando cá cheguei, há três anos, havia uma máquina de escrever, agora temos computadores e ligação à Internet, tínhamos um rádio a pilhas e agora há música em todo o museu. O orçamento era de 50 mil euros e agora ronda os 200 mil. O museu abria duas vezes por semana, agora está sempre aberto. Mandei cortar as sebes para que não tapassem a vista do edifício, os portões estão sempre abertos e os jardins, que tinham silvas até lá ao fundo, agora são usados pelas crianças que vêm para aqui brincar.”
Apesar de reconhecer que a divulgação do espólio alegadamente de Rembrandt iria sempre dar alguma polémica, não imaginou que os ataques se tornassem pessoais, ao ponto de receber chamadas anónimas que o levaram a apresentar queixa na polícia e a pedir um registo criminal e um certificado do Banco de Portugal que atestasse a sua idoneidade. “Quando cheguei ao registo a senhora do guichet reconheceu-me logo e no Banco de Portugal o porteiro também. Cheguei a ser abordado por pessoas quando estava a meter combustível e dei ali uma aula sobre Rembrandt, no meio do posto de gasolina.” O conservador, a quem todos tratam por doutor, e é assim que aparece no seu cartão de visita, justifica estas reacções pela “mediocridade dos tempos de crise” que o país atravessa. “Primeiro atacam-se as instituições e logo a seguir os responsáveis por essas instituições. Primeiro a parte profissional, depois a pessoal”, declara.
Diz que tem formação técnica na área da conservação e restauro feita num Instituto em Milão e que está inscrito num mestrado de Sociomuseologia na Universidade Lusófona, informação desmentida pela instituição ao “Jornal de Notícias”. “Os ataques pessoais só têm um objectivo: quebrar o elo de confiança que eu tenho com as instituições aqui e lá fora e com quem tenho laços muito fortes. Tenho por trás de mim dezenas de profissionais, que me têm dado um apoio fabuloso. Respeito todas essas pessoas que me respeitam e que sabem que não vou trazer a público o que não interessa.”
Miguel Vieira Duque é sempre eléctrico. Fala com as mãos que ostentam um anel articulado que cobre o anelar inteiro, veste calças de cabedal preto e tem cabelo da mesma cor, da altura do queixo e rapado dos lados. É magro e ligeiramente encurvado. Para ele, nada disso importa para o seu trabalho: “O meu cabelo sou eu, os meus anéis, as minhas mãos, sou eu. E isso não tem interferência mínima. Tem interferência para mim.” Diz que vive para a Fundação e que isso fez com que terminasse o casamento que durou sete anos. Até no dia do matrimónio foi fiel aos seus princípios. Casou com separação de culto e a música que se ouviu quando a noiva subia ao altar foi o “Into my arms” de Nick Cave, que ele recita em português de uma ponta à outra.
Vieira Duque fala muito de arte, fala muito do museu, fala muito de si – mostra o quadro que comprou com o subsídio de férias do ano passado e que ofereceu à Fundação, uma obra de Manuel Filipe, um pintor português da corrente neorrealista. Dá-se de alma e coração ao seu trabalho e culpa “o espírito português” pelas reacções que surgiram em torno desta polémica. “Um professor que tive que era padre, dava-nos este conselho quando íamos fazer avaliação de peças religiosas: primeiro temos de olhar, contem até 20; depois temos de observar, contem até 40; depois temos de avaliar para dentro, contem até 80; e depois, contem até 4000 para dizerem alguma coisa.” Sábios ensinamentos.